Para ver através das ondas

Eduardo Guerra
5 min readMar 17, 2017

Velejar pelos oceanos sempre foi difícil. Imagine nas suas profundezas. Isto melhorou quando passamos a “ver” na escuridão do fundo do mar.

Navegar nas águas litorâneas por muito tempo foi uma atividade realizada às cegas até a primeira metade do século XX. Isso se devia à ausência de um aparelho que se desse ao trabalho de detectar outros navios e submarinos inimigos, que na época da Segunda Guerra Mundial eram muitos. Com os alemães por perto, tornava-se inviável viajar ao Norte para buscar açúcar para as demais regiões do Brasil sem sofrer algum ataque, prejudicando a Marinha Mercante durante todo o ano de 1942.

Sofrendo desse problema, a Marinha se aliou a alguns estudiosos da Universidade de São Paulo, incluindo Marcello Damy. Na época, cursava sua pós-graduação na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e juntamente com o Professor Pompéia, trabalharam em um aparelho capaz de contar impulsos elétricos e intervalos de tempo. Ambos nunca haviam visto um submarino ou um aparelho que os detectasse, mas prometeram estudar sobre o assunto; era sábido que outros países já desenvolveram instrumentos semelhantes, mas eram muito precários.

O microfone foi a base dos estudos. Resolveram então construir um laboratório nas proximidades da Represa Santo Amaro para analisar os ruídos emitidos pela rotação de hélices embaixo d’água. E foi exatamente o que foi trabalhado: o primeiro desenvolvimento foi um aparelho capaz de ouvir as hélices, que com o tempo foi atualizado para a tecnologia ultrassom. Um ponto chave para a finalização do experimento foi a captação do eco, que foi conquistado através de um detector de cristal que funcionava em paralelo com 400 cilindros de níquel soldados em uma base de aço.

A primeira aparelhagem brasileira para detectar submarinos.

O departamento de química da Faculdade de Filosofia ajudou na fabricação dos cristais no tamanho correto, e faziam os testes em uma banheira. Com mais pesquisas, foi descoberto que após a Primeira Guerra Mundial, um físico francês, Langevin, já havia criado um método de localização por ultrassom, utilizando cristais de quartzo, lançando mão do efeito piezelétrico, descoberto por Pierre Curie. Entre as Grandes Guerras, a física avançou o suficiente para que os cristais de quartzo fossem cristais artificiais de sal de Rochelle, e com ajuda de especialistas químicos e o geológicos, foi possível produzí-los no próprio laboratório.

Com a criação, assim, do detector de submarinos, os problemas começaram a aparecer; para que funcionasse corretamente, o aparelho deveria ser instalado na quilha dos navios, precisando perfurar seu casco. Dessa forma, seria necessário revestimento nos cascos dos navios com aço inoxidável, para evitar corrosão devido à pressão da água, porém na década de 40 não havia fabricação desse aço no país. Laminação Nacional de Metais fez a sua contribuição laminando o níquel e construiram o tubo necessário com a ajuda de uma empresa de móveis de aço, gerenciada por Aldo Magnelli.

A elaboração desse equipamento rendeu não apenas um avanço na navegação brasileira, mas também a criação de novos institutos especializados nessa abrangência de estudo. Os institutos e centrais de pesquisas Liceu de Artes e Ofícios, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e o Instituto de Eletrotécnica, todos em São Paulo, funcionam até hoje no aprimoramento e eficácia dos sonares submarinos e do mundo no oceano. Mais de 20 indústrias se propuseram a doar materiais para a elaboração da primeira remessa de detectores sonares de submarinos, que totalizava 80 peças construídas pela Marinha.

O trabalho foi visto também de outros países, principalmente a Inglaterra e Estados Unidos, que demonstraram interesse em investir na área, tanto fornecendo materiais, como também inaugurando novas instalações no país, que se deu a partir da abertura da economia no Brasil. O trabalho desenvolvido foi cedido à empresa paulista Cacique S.A (Inbelsa) para a fabricação de ecobatímetros, que apenas eram encontradas nos antigos toca-discos.

O sonar hoje

A invenção de Damy não sofreu muitas alterações nos últimos 75 anos. A forma utilitária da ferramenta continua a mesma, porém já é integrada nos cascos do navio, evitando a exposição do material para ações externas. O sonar sofreu uma mudança no fato de detectar não só materiais de ferro, mas também grandes animais, cardumes e alterações no solo.

A mente criativa: quem é Marcello Damy?

O jovem de classe média baixa que trouxe seu conhecimento da Inglaterra, ajudou a marinha na construção do primeiro detector de submarinos do país.

Marcello Damy, nascido em Campinas (SP) no dia 14 de Julho de 1914, foi um dos físicos que mais fez história no Brasil. Mesmo gostando muito de física desde criança, essa não foi a primeira opção de curso para o rapaz que, naquela época, tinha seus 20 anos. Na infância, Damy se interessava muito também por química e eletricidade, isso porque naquela época, o rádio havia acabado de ingressar ao país.

Professor Damy com diploma de Cidadão Paulistano, título recebido em 2002.

Ciências era o único curso oferecido no estado de São Paulo, nele era estudado com profundidade a Física, Química e Matemática. Pelo seu grande interesse em eletricidade, Marcello resolveu se aventurar no curso de Engenharia Elétrica. Em seu terceiro ano, todos foram surpreendidos com a inauguração da Faculdade de Filosofia, que continha cadeiras de física com professores influentes, como Otávio Monteiro de Camargo. A partir daí, foi possível estudar a parte mais tecnológica da Física, resultando em melhores futuros engenheiros.

Demonstrando muito interesse nas aulas ministradas no curso de Filosofia, Damy acompanhou as aulas como ouvinte por quase três anos, e demonstrou muito interesse no assunto. Assim, foi convidado por Wataghin a realizar um exame referente a esse tempo e trabalhar com ele como assistente, e dois anos depois foi se aprofundar na área na Universidade de Cambridge. Quando retornou ao país, trouxe grande experiência de aprendizado com outros estudiosos, dando início ao aprofundamento da Física Quântica no Brasil.

--

--